Dr. Jardim
A moça
jovem, loura e sua acompanhante: senhora
distinta, vestida com discrição, certo acanhamento acompanhava ambas. A
moça enganava bem, tentava aparentar desinibição, pois a tarefa a que se
propunha parecera lhe de antemão absurda.
1944, o
mundo estava em guerra, Brasil estava em guerra ao lado dos aliados.
Alemãs,
alemãs de nascimento, mas de fato não mais o eram.
Em 1938
Hitler decretou uma lei que tirava a cidadania alemã de todos judeus. Judeus
alemãos traziam em seus passaportes um grande
J (jota), que ao abrir a
página inicial do documento identificava a pessoa como sendo judeu. Além disso,
as pessoas receberam um segundo nome:Israel para os homens Sarah para as mulheres. Não haveria
dúvida: tratava-se de judeu!
Havia a
possibilidade de mudança de país, para isso era necessário possuir um
passaporte. Como não mais havia relações diplomáticas com Alemanha, portanto
não havia consulado. Brasil possibilitava um
passaporte “apátrida”, sem pátria, não cidadão. Com esse passaporte era
possível viajar a outro país.
Senhora
Ruth residia no Brasil desde que seu filho, Hans Israel lhe conseguira o visto
para Brasil, vindo da Suissa, em 1942. Seu maior desejo era encontrar o filho
mais velho, já radicado nos Estados Unidos da America, este lhe conseguira um visto para aquele
país.
Só faltava
o passaporte para que pudesse embarcar, pois o filho Hans lutava muito pela
própria sobrevivência. Chegou dois anos antes, com muitos empecilhos e
tropeços, como tanto acontecia com os judeus expulsos de suas pátrias.
Para
conseguir novo passaporte apátrida teria
que apresentar o antigo documento alemão que trazia seu nome acrescido do nome dado por Hitler
“Sarah”.
Chorou muito com a jovem, namorada do filho Hans,
queixando-se que não iria viajar com um passaporte novo, com o nome de Sarah.
Isso não faria, preferiria não mais viajar, não com esse nome que não lhe
pertencia.
O que
fazer?!
Helga lembrou-se, conheceu, ao fazer uma radiografia,
trabalhava numa clínica de diagnóstico radiológico, de um senhor importante,
chefe da polícia de estrangeiros. Lembrou-se,
Dr. Jardim, que fora tão afetuoso com ela, emocionado mesmo, por ter visto seu coração. Deu-lhe um abraço dizendo que se
precisasse de algo o procurasse.
Ao chegar à
polícia encontrou uma antessala superlotada de pessoas aflitas a serem
recebidas pelo grande chefe.
Helga aos
poucos foi se aproximando, sempre de mãos dadas com Ruth, da porta fechada.
Aguardando!
Heis que a
porta se abre, silêncio se faz, mal se ouve a respiração da multidão. Helga,
alta, loura foi imediatamente identificada pelo(pequeno em tamanho) Dr. Jardim.
-“Que
alegria, moça bonita, moça que viu meu coração, ela viu meu coração! Você está
dentro dele, venha, entre; em que posso ajudar? Fale, minha querida!” Toda
gentileza brasileira, todo benquer espontâneo estava ali representado. Verdadeira a exuberância do
grande chefe.
As duas
alemãs ali na frente do homem que poderia mudar a vida de uma delas
significativamente, foi o que se deu.
Helga expos
seu pedido a Dr. Jardim, dizendo da grande insatisfação da quase sogra Ruth,
ter de portar o nome que lhe fora conferido pelo tão odiado Führer dos alemães.
Tanta mágoa, tanta dor, lhe trazia esse estigma, esse selo que lhe foi
imprimido, esse nome que não lhe pertence.Quer reencontrar o filho, portanto
queria seu próprio nome de volta.
-“Mas é só isso?!”-disse rindo o grande chefe .
Dr. Jardim
pegou o passaporte , escreveu o nome de Ruth e seu nome familiar. –“ Pronto,
aqui tem seu passaporte, e boa viagem!”
Ruth
respirou profundo, segurando o choro, abaixou-se para beijar as mãos de Dr.
Jardim. Só então esse percebeu o grande bem que havia feito com uma simples
assinatura. Despediu as duas mulheres, com impaciência, encobrindo a própria
emoção.
Pequenos
gestos marcam grandes fatos.
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