quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Mãos e Pés

 Como completei quase uma centena de anos, admiro-me de muitos fatos e atitudes, comportamentos. Hoje enclausurada, como a maioria dos humanos, especialmente as mulheres, vaidosas e cuidadosas com suas aparências, necessitam de alguns cuidados especiais. Dos atuais hábitos é importante cuidar-se das mãos e pés. 

 Fiquei refletindo se no começo do século XX teria havido profissionais que cuidam das extremidades femininas, nenhuma profissional dessa área conseguiu me explicar há quanto tempo o hábito dessa higiene seria proferida por especialistas. Naturalmente conhecemos as antigas lojas do Dr Scholl que cuidava dos pés independente dos gêneros, pois tanto homens como mulheres hoje em dia ainda se locomovem com os seus ditos pés pois o automóvel não inibe totalmente o uso dessas extremidades humanas.

 Sei que minha mãe que nasceu no início do século XX jamais vi alguém que fizesse a higiene das unhas e/ou pés dela. Minha vó que já nascera 50 anos antes, pessoa muito altiva e orgulhosa de sua aparência tinha de fato, como me lembro em criança, uma pessoa "doméstica" que cuidava de seu lindo cabelo, mas pés e mãos, jamais vira. Mesmo eu somente adulta percebi que precisava cuidar pelo menos de minhas mãos que em criança era tratada, isto é, as unhas cortadas por minha mãe. A jovem eu aprendi a cortar as unhas, lixar talvez, e só. 

 Hoje idosa com dificuldades visuais e outras tantas, não mais consigo ter esses cuidados com mãos e pés. As manicures tive-as muitas e me lembro com carinho de algumas, pois como eram um cuidado praticamente semanal, houve uma empatia que se tornou amizade. Portanto gostaria de falar um pouco sobre essas pessoas tão dedicadas que lembro com carinho. 

 A primeira dessas profissionais de que me lembro, morava num kitnete, hoje chamado cabeça de porco, que mal dá espaço para uma cama, portanto ela se deslocava para a residência de sua freguesia na Zona Sul do Rio de Janeiro. Infelizmente a visão de Vitória, esse era o seu nome, foi se deteriorando portanto sua profissão não mais pode ser exercida. Perdi o contato.

 Uma outra manicure que me lembro ter conhecido num cabeleireiro onde eu cortava o cabelo em Ipanema e aí ela, Angela, tornou-se minha manicure preferida. Angela casou-se com o dono do salão e alguns anos mais tarde quando o salão não mais poderia funcionar no local, Angela e o cabeleireiro mudaram-se para a Região dos Lagos. Perdi a profissional e a amiga.

 A mais falante profissional das mãos foi alguns anos mais tarde que me foi indicada por minhas netas. Essa então gostava de falar, mas também gostava de ouvir, pois sempre tive muitas histórias para contar e as propagava. Val, nordestina, morava na Cruzada São Sebastião, tinha um filho adolescente e tendo chegado da terra dela alguns anos antes, radicando-se no Rio de Janeiro. Val era esperta, quiçá inteligente, e conseguiu, vamos dizer, tirou a sorte grande ao encontrar um gringo (inglês) que se encantou com ela. 

 A sorte se resume especialmente no seguinte: Joe passava alguns tempos no Rio no pequeno apartamento dela encantando-se com o jovem filho de Val. Berlier foi praticamente adotado por Joe que possibilitou o término no colégio e entrada na faculdade para esse filho de nordestina. Não ficou somente nesse benefício pois Joe levava Val para férias que ele fazia, pois era petroleiro e portanto tinha etapas de férias. Férias essas ao redor do mundo, além da Inglaterra, terra do Joe, conheceu Espanha, França e até resorts do Pacífico.

 Agora eu estou com uma profissional, o oposto de Val, pois ela entra muda e sai calada, é rápida no serviço, que na atual situação de clausura me é mais agradável do que a falante Val. Parece um paradoxo.

 Ainda fiquei sem saber quem eram os profissionais, se é que os havia, no começo do século XX. Quem puder me responda.

 

Susanne Bial 

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