quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Dr. Jardim



Dr. Jardim
            A moça jovem, loura e sua acompanhante: senhora  distinta, vestida com discrição, certo acanhamento acompanhava ambas. A moça enganava bem, tentava aparentar desinibição, pois a tarefa a que se propunha parecera lhe de antemão absurda.
            1944, o mundo estava em guerra, Brasil estava em guerra ao lado dos aliados.
            Alemãs, alemãs de nascimento, mas de fato não mais o eram.
            Em 1938 Hitler decretou uma lei que tirava a cidadania alemã de todos judeus. Judeus alemãos traziam em seus passaportes um grande  J (jota), que ao abrir a página inicial do documento identificava a pessoa como sendo judeu. Além disso, as pessoas receberam um segundo nome:Israel para os homens  Sarah para as mulheres. Não haveria dúvida: tratava-se de judeu!
            Havia a possibilidade de mudança de país, para isso era necessário possuir um passaporte. Como não mais havia relações diplomáticas com Alemanha, portanto não havia consulado. Brasil possibilitava um   passaporte “apátrida”, sem pátria, não cidadão. Com esse passaporte era possível viajar a outro país.
            Senhora Ruth residia no Brasil desde que seu filho, Hans Israel lhe conseguira o visto para Brasil, vindo da Suissa, em 1942. Seu maior desejo era encontrar o filho mais velho, já radicado nos Estados Unidos da America,  este lhe conseguira um visto para aquele país.
            Só faltava o passaporte para que pudesse embarcar, pois o filho Hans lutava muito pela própria sobrevivência. Chegou dois anos antes, com muitos empecilhos e tropeços, como tanto acontecia com os judeus expulsos de suas pátrias.
            Para conseguir  novo passaporte apátrida teria que apresentar o antigo documento alemão que trazia  seu nome acrescido do nome dado por Hitler “Sarah”.
Chorou muito com a jovem, namorada do filho Hans, queixando-se que não iria viajar com um passaporte novo, com o nome de Sarah. Isso não faria, preferiria não mais viajar, não com esse nome que não lhe pertencia.
            O que fazer?!
Helga lembrou-se, conheceu, ao fazer uma radiografia, trabalhava numa clínica de diagnóstico radiológico, de um senhor importante, chefe da polícia de estrangeiros. Lembrou-se,  Dr. Jardim, que fora tão afetuoso com ela, emocionado mesmo, por ter visto  seu coração. Deu-lhe um abraço dizendo que se precisasse de algo o procurasse.
            Ao chegar à polícia encontrou uma antessala superlotada de pessoas aflitas a serem recebidas pelo grande chefe.
            Helga aos poucos foi se aproximando, sempre de mãos dadas com Ruth, da porta fechada. Aguardando!
            Heis que a porta se abre, silêncio se faz, mal se ouve a respiração da multidão. Helga, alta, loura foi imediatamente identificada pelo(pequeno em tamanho) Dr. Jardim.
            -“Que alegria, moça bonita, moça que viu meu coração, ela viu meu coração! Você está dentro dele, venha, entre; em que posso ajudar? Fale, minha querida!” Toda gentileza brasileira, todo benquer espontâneo estava  ali representado. Verdadeira a exuberância do grande chefe.
            As duas alemãs ali na frente do homem que poderia mudar a vida de uma delas significativamente,  foi o que se deu.
            Helga expos seu pedido a Dr. Jardim, dizendo da grande insatisfação da quase sogra Ruth, ter de portar o nome que lhe fora conferido pelo tão odiado Führer dos alemães. Tanta mágoa, tanta dor, lhe trazia esse estigma, esse selo que lhe foi imprimido, esse nome que não lhe pertence.Quer reencontrar o filho, portanto queria seu próprio nome de volta.
-“Mas é só isso?!”-disse rindo o grande chefe .
            Dr. Jardim pegou o passaporte , escreveu o nome de Ruth e seu nome familiar. –“ Pronto, aqui tem seu passaporte, e boa viagem!”
            Ruth respirou profundo, segurando o choro, abaixou-se para beijar as mãos de Dr. Jardim. Só então esse percebeu o grande bem que havia feito com uma simples assinatura. Despediu as duas mulheres, com impaciência, encobrindo a própria emoção.
            Pequenos gestos marcam grandes fatos.